Do 1º Fórum Bem Viver à 2º Fórum em Moeda, MG

1) Qual o principal legado do “1º Fórum do Bem Viver” e os impactos para o futuro do Brasil e do mundo?

O Fórum tinha objetivos ativista e gestor. O objetivo ativista era de idealizar e executar uma intervenção cultural coletiva e inovadora para impedir a construção da usina hidrelétrica de Marabá (UHM) e o mega-projeto industrial de mineração e contracto da hidrovia, fomentar um debate qualificado para garantir uma consulta ‘prévia’. O objetivo gestor era e continua a cultivar uma metodologia capaz de fomentar uma rede bem viver, de projetos alternativos, com metodologias diversas, abastecidos por energia solar (entre outras energias limpas e renováveis). Os dois objetivos são interligados, e estendem além do território Amazônico, pela natureza da interdependência dos continentes no mundo e a necessidade de solidariedade mundial para realizar uma intervenção aqui na Amazônia.

Ato coletivo no Rio Tocantins. Somos bem viver das Américas protegendo o Pedral do Lourenção!

Um legado principal do fórum é a sensibilização em torno de 50 ativistas sobre as realidades emergenciais na Amazônia, do Sul e Sudeste do Pará, e juntando sua experiência coletiva para semear núcleos de intervenção em Tauari, e em São João do Araguaia (que vai realizar um Festival Bem Viver em dezembro), que ficaram de baixo de água, caso a hidrelétrica seja construída. O fórum já começou gerar colaborações entre projetos de transformação social entre regiões no Brasil e países participantes.

Participantes da Américas afirmam bem viver em defesa dos rios da Amazônia num Pedral do Lourenção.

Mais profundamente, aprofundou confiança nos seus integrantes em uma pedagogia ‘caravana artístico-ecocultural’ tanto como intervenção política, quanto como metodologia eco-pedagógica, que pode ser aplicada na gestão de projetos comunitários e da democracia participativa. Em vez de um desabafo ou desespero coletivo, compreensível em tempos de golpe e austeridade cruel, o fórum praticou um processo pedagógico de confiança, vivência e convivência, cultivando numa grande diversidade de ativistas, esperança, ousadia e resiliência. Depois de tantas décadas de fóruns autoritários e cansativos que produzirem inevitáveis e inviáveis ‘cartas coletivas’, escritas por poucos em nome do ‘povo’, o principal legado talvez será esperança que um paradigma antigo-contemporâneo e flexível já existe para cultivar democracia aberta e participativa.

Os convidados se entregam numa dança da terra, rios e floresta na construção de uma pauta coletiva.

2) Nos conte um pouco sobre como projeto de tornar Marabá uma referência em Bem Viver?

Convidamos uma diversidade de gestores para participar no fórum em ‘formato caravana’ (artistas, pedagogos, policiais, advogados, ativistas, cientistas, jornalistas, enfermeiras, médicos, empresários e juizes) como ação experimental piloto que aproximou todos os setores da sociedade civil em torno de um projeto paradigmático: segurança da vida integral (climática, alimentar, educacional, trabalhista, de saúde e direitos humanos), abastecida por energia solar.

O fórum volta de suas escutas para refletir e projetar os próximos passos.

Propositalmente, a caravana dispersou e ‘policentralizou’ o fórum para alcançar bairros, instituições e outras cidades, ao escutar, inspirar e plantar sementes colaboravas. A experiência foi socializada aqui em Marabá, na região do sudeste do Pará, e em redes sociais, através de diversas mídias digitais, confirmando a força motivadora desta metodologia em comunidades populares não engajadas e em comunidades já desmotivadas e céticas que transformação ainda é possível.

Alessandra Munduruku é pequena, mas tem coragem imensa e clareza inspiradora.

Os moradores/as de São João do Araguaia escutam depoimentos de Dani Silva do Movimento Xingu Vivo para Sempre e Alessandra Munduruku do Movimento Tapajós Vivo para Sempre para vislumbrar seu futuro e tomar decisões informadas sobre opções energéticas.

A partir desta experiência piloto, estamos agora lançando micro-fóruns, simpósios, festivais e colaborações bem viver em Marabá, continuamente, para gerar o momentum necessário para inspirar colaborações internacionais, focalizadas sobre a ressignificação de Marabá. Na prática, nosso objetivo principal é de captar 40,000 placas solares até o final de 2019, para abastecer projetos alternativos viáveis. Em 2018, continuaremos costurando parceiros entre projetos no sudeste do Pará e continentes do mundo; e em 2019, reunir estes parceiros num fórum mundial bem viver.

A primeira placa solar comunitária em Marabá abastece nossa bici-rádio, ajudando Cabelo Seco imaginar uma cidade sustentável.

A bicicletada contra racismo, em busca de bem viver, liderada pela Polícia Militar de Marabá.

Assim esperamos que Marabá vai se reimaginar como uma cidade de bem viver, se tornando exemplo inspirador de bem viver sustentável, na Amazônia, nas Américas e no mundo.

Leonardo Santana de São João de Araguaia apresenta comida típica bem viver, doada ao fórum. Energia solar salvaria a cidade que ficará de baixo de água caso a usina hidrelétrica de Marabá (UHM) seja construída.

3) Quais estratégias para influenciar o poder público em prol da sustentabilidade em uma época onde o governo federal busca aumentar a exploração comercial mineral da Amazônia?

O poder público aqui em geral está corrompido e comprado pelo paradigma predador atual, com a ‘contaminação’ das instituições e até os movimentos sociais. A renovação ou transformação do poder público implica a emergência de um novo paradigma cooperativo de bem viver, enraizada na formação de comunidades éticas e corresponsáveis.

Retrato de unidade de projeto entre a PM da Bahia e de Marabá, na praça de Cabelo Seco.

Estamos idealizando tudo isso com seis estratégias principais: praticar bem viver, em vez de falar sobre ele (praticamos um ‘fórum bem viver’, em vez de ‘fórum de bem viver’); usar todas as linguagens artísticas para presenciar, estimular e aproveitar das inteligências múltiplas e experiências humanas na idealização, execução e socialização de projetos colaborativos; juntar protagonistas ‘opostos’ ou ‘improváveis’ para praticar e simbolizar o paradigma bem viver (ex: policia militar/jovens excluídos, juizes/mestres populares, gestores multinacionais/gestores indígenas), para resolver e transformar histórias conflituosas em novas políticas publicas; e usar estes processos e políticas públicas de bem viver para cultivar democracia participativa, para substituir a democracia representativa falida.

Polícia Militar da Bahia brinca com aluno do Plínio Pinheiro numa grande apresentação de dança afro e capoeira.

Simultaneamente, estamos informando parlamentos regionais, redes profissionais internacionais, IONGs e governos de peso ((em particular, na Europa, África Oceano-Pacífico), sobre os efeitos catastróficos socioambientais causados pela industrialização e comercialização desreguladas da Amazônia, focalizando sobre a violação de direitos humanos na região que violenta tratados e acordos na UN. Estamos também estudando e advogando uma taxa internacional bem viver, para deixar minerais ‘em situ’ na Amazônia, para manter esta bioma de ‘rios voadores’ essencial, intacta, e promovendo o uso de energias limpas e renováveis, em particular de energia solar, na vida cotidiana, no somente industrial e comercial.

Deputada europeia Julie Ward (Inglaterra NW) se despede da coordenação do Rios de Encontro, o Coletivo AfroRaíz), e o diretor de teatro comunitário uruguaio, Carlos Torrado, amplia a colaboração. Redes internacionais e parlamentos regionais tem um papel fundamental para proteger a Amazônia.

4) Como as ações propostas no Fórum ou em projetos parceiros ajudam na melhoria de vida da população local em prol da justiça social?

Acredito que a metodologia de troca íntima de experiências e aprendizados de projetos entre integrantes – convidados(as) porque já estão proativamente ajudando na melhoria de vida da população local em prol da justiça social, durante o fórum (em espaços programados e espaços de bem viver), impactaram tanto na região do sudeste do Pará, quanto nos projetos espalhados no pais e fora. No ‘como’, destacaria a vivência das culturas populares dos Rios Tocantins e Araguaia (águas, alimentações, músicas, danças, histórias da vida popular), através de contato com suas populações e ativistas populares. Partindo do bem viver – da qualidade e beleza de vida ameaçada, aprofundou a compreensão sobre o significado e vulnerabilidade da Amazônia, e a necessidade de incorporar cuidado ambiental em geral e com o território amazônico em particular, em cada projeto social. Sem este cuidado, e suas implicações socioeconômicos, nenhuma justiça social acontece ou se sustenta. Acredito que esta sacada, afirmando a transversalidade vital e integralidade eco-cultural e socioambiental, continua sendo o impacto íntimo, público, conceitual-político e motivador das ações do Fórum.

Em pequenas rodas, os convidados trocam projetos e ações criativas para gerar colaborações possíveis.

Na prática, em termos de ações propostas no Fórum, a decisão de não criar um ‘grupo de whatsup’ na segunda (e última) plenária do Fórum, mas de montar uma ‘transmissão bem viver’, refletiu um compromisso de praticar uma ‘ecologia de cuidado de tempo e coerência’ para cada integrante; e a decisão de não criar uma rede de organização ou cronograma de ações centralizados, refletiu uma consciência paradigmática que o que é necessária é uma política capilar, em vez de uma estrutura vertical de tomada de decisões e de prioridades. Agora, tem uma rede de ações locais e regionais que corresponde a um mundo complexo de tempos, necessidades e prioridades distintos, unidos pelo compromisso com envolvimento bem viver (em vez de desenvolvimento passificador).

5) Fale um pouco sobre como sua trajetória pessoal de vida e sua experiência no Brasil e no mundo até a luta pelo Bem Viver.

Sou arte-educador, artista, diretor-escritor de teatro/dança comunitário. Venho morando e colaborando no Brasil desde fevereiro de 1998. Graduei-me em Letras e pós-graduei-me em Teatro-Educação Popular da Universidade de Oxford. Desde 1980, venho dedicando-me à busca de processos coletivos e pedagogias artísticas de transformação social através da performance comunitária, capazes de descolonizar o corpo-pensante e o imaginário e evitar a auto-censura, em colaboração com escolas, comunidades pós conflito, jovens em risco, organizações culturais e universidades. Desenvolvi colaborações sustentadas no País de Galês, Inglaterra pós-industrial, Irlanda do Norte, África do Sul, Quênia e Palestina, e diálogos sustentados com diversos países na América Latina e na Ásia. Meus últimos dezenove anos no Brasil, venho colaborando com comunidades sem terra, indígenas, sindicais, ribeirinhas e universitárias, evoluindo uma pedagogia de Transformance baseada em técnicas de alfabetização cultural, desenvolvidas em colaboração com arteducadora, Manoela Souza.

Duas gerações de Rios de Encontro celebram dança afro na Festa das Artes e Açaí. Em vez de simbolizar a sustentabilidade, Rios de Encontro vem a cultivando através de formação, gestão e produção artístico-cultural.

A partir de minha primeira colaboração no Pará em 1999 (o monumento comunitário ‘As Castanheiras de Eldorado dos Carajás’), foi convidado colaborar com a UFPA-Marabá em 2004, desenvolvendo dança-narrativa com pedagogos do campo até 2011. Em 2008, foi convidado colaborar com o Ponto de Cultura, Galpão das Artes-Marabá, ganhando em 2009 e 2011 o Prêmio Nacional ‘Interações Estéticas’ da Funarte, MinC, para desenvolver o projeto de formação e criação artística comunitária, Rios de Encontro, enraizado na comunidade matriz Afro-Indígena, Cabelo Seco. Em 2011, Rios de Encontro ganhou o prêmio nacional da UNICEF Educação Integral, e em 2012, surgiu a Cia de Dança ‘AfroMundi: Pés no Chão’; em 2014, Rabetas Vídeo Coletivo e a Universidade Comunitária dos Rios; em 2016, AfroRaiz e Fórum Bem Viver, nos quais atuo como co-gestor e co-diretor artístico-pedagógico, levando jovens artistas a Belém do Pará, Brasília, Porto Alegre, Florianópolis, Washington, New York, Hong Kong e Auckland. Estes nove anos estes projetos vem resgatando e reinventando a cultura afro-descendente, a transformando em contribuições às estéticas amazônicas, em busca de linguagens populares capazes de reconhecer, transparecer, cicatrizar e transformar as múltiplas sequelas de exclusão em recursos de alfabetização cultural e formação multi-sensorial.

Mariana renasce o nenê morto na beira do rio. ‘Nascente em Chamas’ permite tanto a cicatrização da dançarina quanto a identificação de camadas de violência, cumplicidade e resiliência nos silêncios da identidade amazônica.

Sou autor do livro ‘Teatro e Auto-Determinação’ (Derry, 2001), ‘Alfabetização Cultural: a luta íntima por uma nova humanidade (São Paulo, 2004), co-autor do livro ‘Colheita em Tempos de Seca: pedagogias de vida à comunidades sustentáveis’ (Marabá, 2012), Calendários ‘Rios de Encontro’ (2011-17), e artigos. Entre 2004-10, servi como Presidente da Associação Internacional de Drama Educação (IDEA), co-fundando e coordenando a Aliança Mundial pelas Artes Educação entre 2006-10. Entre 2002-2012, participei ativamente no Conselho Internacional do FSM, e entre 2009-2017, no FSPA. Entre 2010-13, contribui à gestão da Plataforma Puente/RELATS.

Dan Baron
Co-coordenador do Instituto Transformance
Co-coordenador da ABRA
http://www.riosdecriatividade.com
Dezembro de 2017

Ficha técnica do Fórum:

• nº total de participantes:
O mês de rodas e oficinas pré fórum garantiu que os 50 convidados do fórum alcançassem diretamente mais de 5.000 pessoas de cinco gerações, em Marabá, São João do Araguaia, Tauari (Itupiranga) e Belém, e centenas de milhares de pessoas através das mídias.
• nº de países participantes:
O Fórum Bem Viver inspirou ações paralelas e contribuições virtuais em instituições solidárias em 42 países. No fórum presencial, participaram Brasil, Canadá, Colombia, Equador, EUA, Gales, Inglaterra,
• principais organizações:
AESSPA, CEPAGRO, CNE, GAETE, Instituto Casa Común, Grupo Xama Teatro, Instituto Fotoativa, Instituto Polis, International Rivers, Instituto Somos, Instituto Superação, MAB, Madeira Vivo, Movimento Bacia Itacaiúnas, MST, Policia Militar da Bahia, Pombas Urbanas, Saúde e Alegria, Tapajós Vivo, Teatro Piollin, UFPA, UFPB, Xingu Vivo,
• organizador:
Instituto Transformance/Rios de Encontro; ABRA (Rede Brasileira de Arteducadores)
• apoiadores:
Ministério de Educação (2015), Unifesspa, UEPA, Policia Militar do Pará,
• dias de evento:
Fórum (31 agosto-5 setembro)
• outras informações relevantes:
Pré Fórum (30 junho à 30 agosto)

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